“Se Deus não existe, tudo é permitido”, afirma o escritor russo Fiódor Dostoiévski no livro Os Irmãos Karamazov (1879). Vale dizer que esta frase é freqüentemente citada em relação à obra mencionada acima, resumindo de forma genérica o que o autor quis dizer em um trecho do livro onde narram a respeito de um artigo que o personagem Ivan Karamazov acaba de publicar em uma revista:
… ele (Ivan Fiodorovitch Karamazov) declarou em tom solene que em toda a face da terra não existe absolutamente nada que obrigue os homens a amarem seus semelhantes, que essa lei da natureza, que reza que o homem ame a humanidade, não existe em absoluto e que, se até hoje existiu o amor na Terra, este não se deveu a lei natural, mas tão-só ao fato de que os homens acreditavam na própria imortalidade. Ivan Fiodorovitch acrescentou, entre parênteses, que é nisso que consiste toda a lei natural, de sorte que, destruindo-se nos homens a fé em sua imortalidade, neles se exaure de imediato não só o amor como também toda e qualquer força para que continue a vida no mundo. E mais: então não haverá mais nada amoral, tudo será permitido, até a antropofagia. Mas isso ainda é pouco, ele concluiu afirmando que, para cada indivíduo particular, por exemplo, como nós aqui, que não acredita em Deus nem na própria imortalidade, a lei moral da natureza deve ser imediatamente convertida no oposto total da lei religiosa anterior, e que o egoísmo, chegando até ao crime, não só deve ser permitido ao homem, mas até mesmo reconhecido como a saída indispensável, a mais racional e quase a mais nobre para a situação.
“Sem uma referência divina passaríamos a viver numa espécie de vale-tudo moral?”, questiona Rodrigo Cavalcante em Procura-se Deus (2005). O filósofo Oswaldo Giacoia Júnior responde: “Não necessariamente. A busca de um código de valores sempre foi uma preocupação central da filosofia, sem necessidade de uma legitimação divina.”
Pode-se dizer que ao longo da história da humanidade foram construídos certos valores éticos religiosos que obrigam de certa forma o homem a seguir um padrão de condutas estabelecido pela região – qualquer que seja -. Caso a pessoa não seguir tal padrão haverá castigos após a morte, ou dependendo da religião, até mesmo durante a vida – ou algo do gênero. A maioria dos fiéis ao agir com bondade, por exemplo, age pensando em uma boa recompensa. Estas pessoas tornam-se cegas pela religião, esquecendo de seus verdadeiros instintos, e suas atitudes de bondade podem ser falsas, conscientemente ou subconscientemente.
Mais a frente no livro supramencionado de Dostoiévski, Ivan considera a outra possibilidade. Se Deus não existir, e a religião fosse extinta de todas as formas, o que aconteceria?
Quando a humanidade, sem exceção, tiver renegado Deus (e creio que essa era virá), então cairá por si só, sem antropofagia, toda a velha concepção de mundo e, principalmente, toda a velha moral, e começara o inteiramente novo. Os homens se juntarão para tomar da vida tudo o que ela pode dar, mas visando unicamente à felicidade e à alegria neste mundo. O homem alcançará sua grandeza imbuindo-se do espírito de uma divina e titânica altivez, e surgirá o homem-deus. Vencendo, a cada hora, com sua vontade e ciência, uma natureza já sem limites, o homem sentirá assim e a cada hora um gozo tão elevado que este lhe substituirá todas as antigas esperanças no gozo celestial. Cada um saberá que é plenamente mortal, não tem ressurreição, e aceitará a morte com altivez e tranqüilidade, como um deus. Por altivez compreenderá que não há razão para reclamar de que a vida é um instante, e amará seu irmão já sem esperar qualquer recompensa. O amor satisfará apenas um instante da vida, mas a simples consciência de sua fugacidade reforçará a chama desse amor tanto quanto ela antes se dissipava na esperança de um amor além-túmulo e infinito.
Ter a religião como base de condutas e atitudes acarreta em personalidades não verdadeiras, cujas vidas encontram-se repletas de obstáculos, que não passam de regras religiosas, tomadas como algo sagrado. A religião não passa de uma abstração antrópica que pode inexistir se a pessoa quiser, e assim poderá realizar atos verdadeiros e seguir caminhos livres, sem regras e condutas falsas – que foram feitas justamente para tentar colocar ordem no mundo, porém deixando-o cada vez mais fragmentado, preconceituoso, desordenado, maligno, desequilibrado, falso, etc.
Nas palavras de Cavalcante:
No século 18, por exemplo, os ideais de igualdade e justiça social, aceitos hoje como uma preocupação ética, surgiram de formulações dos filósofos iluministas, que acreditam ser possível defendê-los com base na razão, não na religião. Vale lembrar que na época esse tema era nada popular no Vaticano. Em meados do século XX, o francês Jean Paul Sartre, o pai do existencialismo – segundo o qual de nada adianta buscar um propósito da existência para além da vida humana -, disse que a nossa própria condição de seres que vivem em sociedade é suficiente para justificar a prática de valores solidários. E ainda hoje filósofos como o vienense Peter Singer (um dos mais ferrenhos defensores dos direitos dos animais) continuam defendendo uma série de condutas éticas baseadas na razão, e não na fé.
O homem tem que parar que buscar respostas abstratas e com um final feliz ou triste, como céu e inferno, e encarar a realidade. Tem que começar a ver as coisas com uma nova ótica, enxergar as coisas como elas realmente são. Assim, as pessoas passarão a ter atitudes de essência verdadeira e ficarão cientes, por exemplo, do ciclo da vida, passando a encarar a morte da maneira que tem de ser vista, como um acontecimento natural, cujo o ser morto nada mais está sendo do que devolvido à Terra.
Cavalcante questiona:
Será que a adoção pura e simples de uma ética sem Deus não pode nos levar a um racionalismo frio, capaz de ofuscar valores menos palpáveis, como a bondade?.
Como observa Giacoia:
A fé não se traduziu apenas em atos de paz e harmonia ao longo dos tempos. Dos grandes conflitos religiosos do passado ao moderno terrorismo fundamentalista, já foram cometidas inúmeras atrocidades em nome da ética religiosa em todo o mundo.
O cristianismo, por exemplo, foi criado com objetivo de dominar a massa, cujos criadores inventaram uma série de condutas em nome de Cristo. Ou seja, desde sua criação já ocorreu malícia. A população é cega pela ignorância e toma tudo como verdade. Em linhas gerais, as religiões não geram paz e sim muito preconceito e guerras, o oposto de seus princípios gerais. Pode-se concluir, portanto, que as pessoas não entendem nem sequer as palavras religiosas tão ditas e seus princípios principais. Se não existisse religião, o mundo estaria mais unido e mais próximo à paz. Se não houvesse conceitos abstratos como céu e inferno, o homem teria uma ótica mais realista e suas atitudes não seriam falsas pensando em recompensas inexistentes.
Diante deste contexto, vale ouvir a música Imagine (1971) de John Lennon, que tornou um hino à paz e fala de sua utopia de um mundo ideal.
Imagine there’s no heaven/ Imagine não haver o paraíso
It’s easy if you try/ É fácil se você tentar
No hell below us/ Nem inferno abaixo de nós
Above us only sky/ Acima de nós, apenas o céu
Imagine all the people/ Imagine todas as pessoas
Living for today/ Vivendo para o hoje
Imagine there’s no countries/ Imagine que não há país algum
It isn’t hard to do/ Não é difícil imaginar
Nothing to kill or die for/ Nenhum motivo para matar ou morrer
And no religion too/ E nem religião, também
Imagine all the people/ Imagine todas as pessoas
Living life in peace/ Vivendo a vida em paz
You may say I’m a dreamer/ Você pode dizer que eu sou um sonhador
But I’m not the only one/ Mas eu não sou o único
I hope someday you’ll join us/ Espero que um dia você junte-se a nós
And the world will be as one / E o mundo viverá como um só
Imagine no possessions/ Imagine que não ha posses
I wonder if you can/ Eu me pergunto se você pode
No need for greed or hunger/ Sem a necessidade de ganância ou fome
A brotherhood of man/ Uma irmandade dos homens
Imagine all the people/ Imagine todas as pessoas
Sharing all the world/ Partilhando todo o mundo
Se tivesse solidariedade verdadeira entre pessoas e se não existissem condutas para serem seguidas afastando cada vez mais o homem do livre arbítrio, a civilização desenvolveria maneiras para não atingir a desordem, porém de forma realista, sem inventar histórias como por exemplo a do céu e inferno para manter a ordem.
Mariana Lorenzo
Referências Bibliográficas:
– CAVALCANTE, RODRIGO. Procura-se Deus. Deus Existe? Será que a ciência tem uma resposta?. Super Interessante. Edição 220. Dezembro 2005.
– Wikipédia. Os Irmãos Karamazov. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Irm%C3%A3os_Karamazov>.
O homen é egoista e preguisoso de mais,ele nescessita de DEUS para ter a quem culpar.Nosso egoismo e é tão grande que não vivemos sem ELE pois nunca estamos errados sempre somos os coitados
O homem é lúcido e com plena sã consciência. A sociedade o acorrenta em busca do nada. Em ao todo, merecemos viver livres, nossa plenitude vem das beleza das estrelas e os raios da sabedoria todos os dias do sol.